Vereadores que barram exigência de relatórios sobre casas de bombas são os mesmos que vão fiscalizar empréstimo de meio bilhão em Cachoeirinha
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A decisão dos vereadores da base do governo Cristian Wasem (MDB) em reprovar o Projeto de Lei Legislativo 4/2025, do vereador Gustavo Almansa (PT), que exigia um simples relatório anual sobre o funcionamento das casas de bombas, é um erro político grave, por seu simbolismo.
O movimento inexplicável afoga a transparência e o esforço da própria administração em demonstrar que agiu no pós-enchente de 2024, seja com investimentos emergenciais, inclusive nas casas de bombas e geradores, como na busca pelo financiamento chinês para obras de resiliência, o Cachoeirinha 2050.
O projeto está longe de ser oportunista ou caça-cliques. Foi apresentado em 10 de fevereiro. Portanto antes das chuvaradas e dos alagamentos deste junho, que acordaram o medo de uma repetição das enchentes catastróficas de 2024.
Há um ano, bairros inteiros foram alagados, infraestrutura vital foi danificada, Cachoeirinha ficou isolada e 3 mil restaram desabrigados. Os prejuízos materiais foram contabilizados em milhões, mas o custo humano –– o medo, a insegurança, o desamparo –– é imensurável.
Nesse contexto, saber se as casas de bombas, instrumentos para evitar novas tragédias, estão operacionais não é um mero capricho burocrático. Perguntem às pessoas que vivem à sombra do Rio Gravataí se não gostariam ter essa informação.
Reputo o projeto era, na verdade, tímido. Pedia apenas um relatório anual com dados técnicos sobre o funcionamento, manutenções (preventivas e corretivas), falhas e melhorias das duas casas de bombas e seus geradores, a ser publicado publicamente todo mês de fevereiro.
Não impunha custos, ou soluções mirabolantes. Exigia apenas informação. Informação que permite ao morador de áreas de risco avaliar seu próprio perigo diante de chuvas fortes. Informação que pressiona o Executivo, de qualquer matiz partidário, a manter a infraestrutura básica em dia. Informação que significa prestação de contas. Publicidade é um dos princípios da administração pública –– artigo 37 da Constituição Federal.
Qual mensagem emite um legislativo que perde tempo e esforço político para rejeitar um simples relatório anual? Que sinal dá aos cidadãos que ainda tremem ao ouvir o barulho da chuva? E, mais grave ainda, que garantias oferece sobre a fiscalização do mega financiamento de meio bilhão de reais que se busca com o banco asiático –– dinheiro que deverá ser aplicado em obras de resiliência climática e outras nem tanto?
Se um relatório sobre DUAS casas de bombas é, pela lógica da aprovação-reprovação, considerado excesso de transparência a ser combatido, como confiar que a aplicação de 78 milhões de dólares será devidamente monitorada e divulgada?
O governo Cristian investiu nas bombas? Sim, emergencialmente. Busca financiamento chinês para resiliência? Ótimo. Mas opacidade gera desconfiança. Ao barrar este projeto, a base governista cria uma sombra desnecessária sobre suas próprias ações. Permite a impressão de que há algo a esconder, de que o “funcionamento” talvez não seja tão impecável quanto se proclama, ou de que o controle social é visto como um incômodo, não como algo bom da democracia.
Fato é que essa angústia concreta foi ignorada. A “incerteza e o receio”, lamentadas pelo vereador autor em sua justificativa do projeto, que só teve a favor o voto do colega de partido Leo da Costa, só foram agravadas pela ação dos pares. É triste suspeitar, mas a reprovação alimenta a desconfiança de que alguns, na política, preferem o medo da população –– e a oportunidade de aparecer como salvadores na próxima tragédia –– à força tranqüilizadora da boa informação.
Ao fim, a reprovação do PL 4/2025 foi um erro que parece pequeno, mas não é. Coloca o legislativo sob suspeita e enfraquece o próprio governo que os vereadores apoiam.
A transparência sobre as bombas não deveria ser vista como uma ameaça ao governo; é inclusive uma forma de provar que ele está, de fato, trabalhando para proteger principalmente àqueles que chamo de ‘pobres de sempre’ –– que invariavelmente vivem onde os alagamentos acontecem.
Dramas vendem cliques, dados vencem debates, li alguém escrever esses dias. Parece-me que Cachoeirinha precisa mais de dados do que drama, não?